Casos de apreensões de animais, principalmente aves vítimas de tráfico,
são registrados com frequência. São milhares encaminhados para cerca de
45 centros de triagem em todo o país, a maioria gerenciada pelo Ibama.
Agora, há fazendas em Minas Gerais que construíram viveiros para receber
esses animais até soltá-los de volta na natureza.
Corujinha cheia de óleo, papagaios recém-nascidos e aves com asas
cortadas. É assim que muitos animais chegam aos centros de triagem do
Ibama. Em duas horas, o centro em Belo Horizonte recebeu duas levas de
animais apreendidos.
“A maioria das apreensões é através de denúncia anônima. A pessoa
informa que o autor ou autora cria animais em cativeiro sem registro. A
gente desloca até a residência, faz a constatação, apreensão, boletim de
ocorrência e os encaminha até o centro de triagem”, explica”, Heuler
Vinícius Rosa, sargento da PM.
Segundo a lei, quem trafica ou cria animais silvestres sem autorização
está sujeito a multas e detenção de seis meses a um ano. Depois de
cadastrados, os animais, que chegam ao centro de triagem passam por um
checkup. “A gente impede que animais doentes transmitam essa doença para
os nossos aqui e que sejam soltos portadores de doenças”, diz Daniel
Vilela, veterinário do Ibama.
Não sobrevivem 15% dos animais que vão para o centro. Outros 15% não se
recuperam e continuam a viver em cativeiro. Alguns papagaios que foram
para o local com poucos dias de vida ainda são alimentados com a seringa
várias vezes ao dia. A corujinha recém-chegada recebe tratamento nas
mãos da veterinária Érika Procópio, do Instituto Estadual de Florestas.
“Ela estava em um barril com óleo numa indústria. Então, a gente deu
uma tranquilizada nela. Aquecemos uma água e estamos lavando com
detergente para tentar tirar o máximo possível”, diz a veterinária.
A beleza das penas faz do sofrê, ou corrupião, ser um dos mais visados
por criadores. O belo canto é o ‘pecado’ do trinca-ferro.
No centro também tem outros animais como tartarugas, quati e o
macaquinho chamado Sauá. Com o aumento no número de apreensões, há a
preocupação constante com a superlotação dos centros.
“Recintos superlotados vão aumentar conflitos entre as espécies e a
possiblidade de transmissão de doenças. Aí, a gente vai ter dificuldade
maior de recuperar e reabilitar esses animais. Então, a medida em que a
quantidade de animais apreendidos aumenta, é importante que o número de
áreas de soltura também aumente”, alerta Vilela.
No dia da soltura, o veterinário enche o carro com gaiolas que levam
várias espécies. Depois de duas horas de viagem, os animais chegam à
reserva no município de Lagoa Dourada. Nesse local, é feita a
aclimatação.
A reserva faz parte do Projeto Asas, Área de Soltura de Animais
Silvestres. Essa é uma área que, com autorização do Ibama, pode receber
os animais e soltá-los na natureza. A primeira área de soltura foi
criada em 1992, em Minas Gerais. Hoje, existem cem em todo o país.
O dono da reserva é o veterinário maurício resende, professor
aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais. “Eu estou com 76
anos. Eu mexo sempre com tratamento de pássaros”, diz.
Aves menores ficam no viveiro até 30 dias para que estejam em condições
de sair para a natureza. Os tucanos ficam até quatro meses. Como são
jovens, o bico ainda precisa crescer mais.
O zootecnista Fábio Osken já implantou oito Asas e explica as
exigências. “A propriedade rural deve ter lagos e recursos hídricos para
que as aves encontrem a água fundamental para a sobrevivência. Um
segundo aspecto é ter uma certa porcentagem significativa de bioma, de
recursos vegetais preservados. Outro aspecto importante é realizar o
levantamento de fauna. Eles devem destinar as espécies para os locais
onde elas ocorrem para não correr o risco de estar introduzindo uma nova
espécie, que poderia causar um impacto maior”.
Os ornitólogos, especialistas em aves, Vanessa Gomes e Pedro Henrique
Vieira fazem o levantamento da área. “Em pouco tempo de campo a gente
encontrou 60 espécies. E está só aumentando”, diz Vanessa.
A área de soltura fica no município de São Gonçalo do Rio Abaixo. Os
donos estão implantando bem ao lado dela um futuro condomínio de casas.
Para se adequar às exigências, foram plantadas no lugar mudas de árvores
frutíferas e construídos um tanque artificial e dois viveiros que estão
quase prontos.
“Para evitar a superlotação, a gente faz solturas com quantidade
limitada de animais. No máximo, duas solturas por ano. Se a gente
observa que os animais continuam concentrados na área de soltura, a
gente evita soltar animais da mesma espécie no mesmo local”, diz Vilela.
O agrônomo Elton Aguiar Neves faz parte do Projeto Asas há oito anos na
fazenda Engenho D’Água, em Ouro Preto, e desenvolve também um trabalho
de educação ambiental com estudantes. “É uma maneira não só de
conscientizar, mas de sensibilizar esses jovens da importância de deixar
os animais na natureza”, diz.
As aves estão no viveiro há apenas 10 dias, mas a boa adaptação
deixa-as prontas para a soltura. Com o alçapão aberto, elas saem sem
medo e vão pousando nas árvores vizinhas. A partir de agora, o alçapão
ficará aberto dia e noite para o caso de alguma ave querer voltar para o
abrigo. Os cochos também ficarão com alimento e o viveiro só poderá
receber uma nova leva de aves daqui a uns seis meses.
Depois de tanto trabalho, veterinários, biólogos e benfeitores da
natureza se sentem recompensados. Mas devolver os animais silvestres à
natureza é a última etapa de um trabalho que nem deveria existir. Se não
houvesse criação sem autorização, se não houvesse tráfico, esses
animais estariam livres.
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